Joana, a exposta.
Eliani G. Vieira
João, possivelmente, sabendo da gravidez da sobrinha que era solteira, recebeu-a em sua casa, dando-lhe apoio até o nascimento de Joana, que foi entregue aos seus cuidados. Joana cresceu sob a proteção da família e provavelmente sempre se relacionou com a mãe. Em 1858, onze anos após a morte do pai, Felicidade, apoiada pela mãe, Ana Clara, reconheceu publicamente a filha, o que, para época, foi um ato corajoso, já que era uma mulher solteira.
Era
uma noite fria de outono. 1º de junho de 1845. Ano, este, marcado, na história
rio-grandense, por ter sido o final da Revolução Farroupilha. João Correia e
sua esposa, Maria Alves, jantavam à luz do lampião, quando escutaram um
som, como o choro de uma criança. Mais que depressa, pegaram a lamparina, dirigindo-se
à frente da casa a fim de verem o que ocorria. Qual não foi a surpresa do
casal: encontraram uma menina linda, envolta em panos e coberta por um pelego.
Maria rapidamente apanha a menina e leva-a para o interior da casa. Passados
três anos, o casal resolve batizar a menina. Chamaram-na de Joana, mesmo nome
da mãe de João.
Livro de batismos de Viamão 11, 79 |
Será que a história de Joana aconteceu realmente, como narrada acima? A menina Joana foi batizada aos vinte e três dias do mês de dezembro de 1848 e no assento de batismo aparece apenas a triste palavra, “exposta”. Ela fora rejeitada e abandonada por sua mãe. Mas amada e amparada pelo casal que a adotara e batizara. Mas quem era esse casal? Tinha alguma relação com a mãe de Joana? Não era raro, na época, crianças “deixadas” com parentes serem batizadas como expostas.
Para desvendarmos este mistério, tínhamos apenas uma pista, uma fotografia com a inscrição:“Felicidade Cândida da Silva”, essa seria a mãe da menina. Com a descoberta de novos documentos, surge uma nova versão dos fatos, pois Felicidade era filha de José Cardoso da Silva e Ana Clara de Jesus. O processo de medição de terras, requerido por Francisco Vaz Ferreira Filho (APERS-Autos197, ano1907), elucida a origem de Felicidade Cândida da Silva. Diz que ela recebeu herança, juntamente com Manoel Cardoso da Silva, após a morte de José Cardoso. João Correia da Silveira(Silva), padrinho e pai adotivo de Joana, era irmão de Ana Clara de Jesus e tio de Felicidade – consequentemente, Joana era sua sobrinha-neta. Conforme revelam os assentos de batismos de Ana, em primeiro de setembro de 1828 (LB 8,126), filha de João Corrêa da Silveira, e o de Maria Carolina, em 14 de setembro de 1828 (LB 8,126v), filha de Ana Clara de Jesus, vê-se que ambas eram netas de Vital Correia da Silveira e de Joana Rosa.
João, possivelmente, sabendo da gravidez da sobrinha que era solteira, recebeu-a em sua casa, dando-lhe apoio até o nascimento de Joana, que foi entregue aos seus cuidados. Joana cresceu sob a proteção da família e provavelmente sempre se relacionou com a mãe. Em 1858, onze anos após a morte do pai, Felicidade, apoiada pela mãe, Ana Clara, reconheceu publicamente a filha, o que, para época, foi um ato corajoso, já que era uma mulher solteira.
“Em 19 de maio de 1858, reuniram-se na casa de Ana Clara de Jesus, a pedido de sua filha, Felicidade Cândida da Silva, o escrivão e algumas testemunhas. Nesta data, Felicidade reconhece publicamente Joana Correia da Silva como a sua filha, que, segundo ela, havia abandonado na casa de João Correia da Silva. A menina crescera sob o olhar da mãe, pois Felicidade declara que a criança havia sido criada como filha legitima do tal João e que, ainda naquela data, continuava em sua casa. Alega que não pôde criar a filha por ser solteira e morar com a mãe, mas a reconhecia, naquele dia, como sua única filha e herdeira, pois não queria mais encobrir tão grande pecado. Joana também esteve presente na reunião, aceitando, de bom grado, o reconhecimento que a mãe e a avó lhe fizeram” (Resumo da Certidão de Perfilhação, anexa ao inventário de Felicidade Candida da Silva).
Joana
tornou-se uma bela moça, caindo nas graças de Ricardo dos Santos Abreu Filho,
herdeiro do estancieiro Cel. Ricardo dos Santos Abreu e de Maria Carlota
Ferreira. Casaram-se por volta de 1870 e tiveram pelo menos treze filhos. Mesmo
tendo sido reconhecida publicamente, em 1858, como filha de Felicidade Cândida
da Silva, em todos os assentos de batismos dos filhos sempre aparece como aquela
que havia sido rejeitada. No lugar onde deveria constar a informação dos avós
maternos, lançavam somente: “avós maternos incógnitos”. Ela carregou a triste
marca da rejeição e, sua mãe, Felicidade, a dor e a vergonha de ser mãe solteira e por isso ter ficado longe da filha. Em 1912, na abertura do inventário de Ricardo dos Santos
Abreu Filho, aparecem somente sete filhos, na relação dos herdeiros e, entre os
bens a serem partilhados com a família, estava a casa de Itapuã, que Joana
herdara de Felicidade.
Ricardo dos Santos Abreu Fº e filhos
FONTES:
APERS- Inventário de Felicidade Cândida da Silva - autos:71 maço: 2 Ano: 1899.
APERS- Inventário de Ricardo dos Santos Abreu Fº- Autos: 480, maço: 16, ano: 1912.
APERS- Medição-Francisco Vaz Ferreira Fº. Ano: 1907- autos:197, maço: 8.
Livro de Batismos de Viamão nº.11,79
Livro de Batismos de Viamão nº. 8,126
Livro de Batismos de Viamão nº. 8,126v
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