domingo, 4 de março de 2012

PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO DOS FILHOS DO CEL. IGNÁCIO DOS SANTOS ABREU

              Eliani G. Vieira

               O Sul do Brasil colonial era um território extremamente hostil, terra disputada por índios, espanhóis  e portugueses. Onde não era fácil para uma mulher viver sozinha, ainda mais tendo  uma filha para criar.
Francisca, havia sido casada com Aniceto Cardoso, com quem teve uma filha em 1788, depois disso, não se sabe exatamente a data, Aniceto, por algum motivo, abandonou o lar, deixando-a com a menina.
Ignácio Abreu era contemporâneo de Aniceto, provavelmente tenham crescido juntos, eram amigos. O pai de Ignácio, Manuel Abreu, foi padrinho de batismo tanto de Aniceto, como da irmã dele, Antônia.   Isso evidência uma relação de amizade entre as famílias.  Ao ver a esposa do amigo desamparada,  onde a presença de invasores e  homens violentos, eram uma constante, numa  região  difícil para a sobrevivência, ainda mais no interior, longe da vila, Ignácio, aproximou-se dela e, com o tempo passaram a viver juntos. Dessa relação nasceram quatro filhos: Dorotéa (1796), Luiza, Ricardo (1799) e José (1807).
 Com a morte de Aniceto, Ignácio e Perpetua, oficializam a relação, casando-se  em 24/08/1807, contudo os filhos tidos antes do casamento, eram considerados ilegítimos.
Ignácio querendo que todos os filhos participassem de sua herança, concorrendo com os mesmos direitos e privilégios, tanto os que tivera antes do casamento, como os tido após o enlace, nesta ocasião havia mais a filha Maria, nascida após casamento,  encaminha uma petição à  Coroa portuguesa, ao Tribunal do Desembargo do Paço, em 1818, solicitando a legitimação dos filhos, no que é atendido.
                Segundo Alexandra Silveira, o processo de legitimação ou perfilhação solene, era realizado pelo Tribunal do Desembargo do Paço, este funcionou no Rio de Janeiro  até 1828, quando foi extinto.
 Ela  ainda informa que  de acordo  com a legislação eclesiástica e com as Ordenações Filipinas havia dois tipos de ilegitimidade:


"A primeira, a natural, era o resultado de uniões tidas como ilícitas pelo direito canônico e não sacramentadas pelo matrimônio. Nessa situação, os pais poderiam se casar caso desejassem. A segunda, a espúria, era a conseqüência de uma relação proibida pela mesma legislação. Esse era o caso de filhos sacrílegos, adulterinos ou incestuosos. O sacrílego era filho de um religioso; o adulterino era o resultado de uma relação em que um dos pais era casado; e o incestuoso era a prole de pessoas que tinham graus de parentesco próximos."

E havia dois tipos de reconhecimento de paternidade:

"O primeiro, o reconhecimento legal, era feito em escritura pública ou juramento diante de um tabelião. O segundo, a legitimação legal, se constituía em um processo enviado ao Tribunal do Desembargo do Paço. Normalmente, o reconhecimento legal era feito tanto para os filhos naturais, quanto para os espúrios; mas a legitimação era relativa apenas aos segundos. Esse processo recebia o nome de perfilhação solene ou legitimação."

Processo de Legitimação dos filhos de Ignácio
(Arquivo Nacional/RJ-fotografado por Jaime Abreu)

"Diz Ignácio dos Santos Abreu, tenente coronel do Regimento de Milicias de Porto Alegre da Capitania de São Pedro do Rio Grande, que achando-se no estado de solteiro conservou amizade ilícita com Francisca Perpetua de Jesus, a qual suposto fosse casada com Aniceto Cardoso da Silva, contudo já nesse tempo vivia separada do dito marido, por abandono do mesmo, este ausente do lugar de seu domicílio e falecendo da vida presente, passou o suplicante a casar-se com a dita Francisca Perpetua, e se acham vivendo em consórcio. Antes de contrair o dito matrimônio houveram filhos, dos quais existem quatro, duas fêmeas Dorotéa e Luiza e dois machos, Ricardo e Jose. Os quais foram sempre reconhecidos, tidos e havidos pelo apelante como seus filhos, em público e em particular, dando-lhes toda a educação, ensino e aproveitamento. E assim os tem reconhecido juntamente por Escritura Pública. Mas como deve obter de Sua Majestade a graça de dispensar , confirmar e legitimar que o suplicante faça dos ditos seus filhos, para entrarem na herança de seus bens e direitos que lhes competem em concorrência com outra filha que do declarado matrimônio tem, de nome Maria, e quaisquer outros mais que haja de ter".

 Embora Londoño tenha informado, em seu livro,  que as filhas eram gêmeas, analisando melhor o processo, percebemos que o pai referiu-se as filhas como  "fêmeas" da mesma forma que referiu-se aos   filhos como " machos". O assento   de batismo de Dorotéa também  corrobora esta afirmação, pois não informa que ela é gêmea.
Fontes:
Arquivos paroquiais, disponíveis em: https://www.familysearch.org
Processo de legitimação( Mesa do Desembargo do Paço- caixa 125- pacote 2- Autor: Ignácio dos Santos Abreu casado com Francisca Perpetua de Jesus- Arquivo Nacional)**
Londoño, Fernando Torres. A outra família: concubinato, igreja e escândalo na Colônia. Ed. Loyola-1999.
Silveira, Alexandra S. Legitimação e transmissão de heranças na Mesa do Desembargo do Paço, Rio de Janeiro, século XIX.
Disponível  em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_616.pdf


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**Fazendo buscas na internet, encontramos a referência ao processo, localizado no Arquivo Nacional, onde o Jaime Abreu, meu companheiro de pesquisas, teve acesso e fotografou.

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